Especialista do Museu do Holocausto reconhece ligação de Amzalak ao Regime Nazi
DR
Primeira página de uma edição especial do jornal "O Século"
O líder judeu Moses Bensabat Amzalak (1892-1978) era um apoiante do Regime Nazi, tendo sido agraciado pelo Terceiro Reich com a Cruz de Mérito de Primeira Classe da Cruz Vermelha Alemã. A revelação de dois historiadores, o português António Louçã e a suíça Isabelle Paccaud, que suscitou há dois anos forte contestação, mereceu hoje uma lamentada concordância do especialista do Museu do Holocausto Avraham Milgram.
A polémica não podia ser mais sensível para a comunidade judaica. Bensabat Amzalak, além de administrador do jornal "O Século" e presidente da Academia de Ciências de Lisboa, foi durante 52 anos o líder da Comunidade Judaica em Lisboa e, eventualmente, o mais proeminente representante da comunidade em Portugal, sendo ainda hoje referenciado no site online da Comunidade Israelita de Lisboa como "um exemplo de dedicação à causa do judaísmo" e um exemplo a seguir.
A tese da proximidade entre o líder durante 52 anos da comunidade judaica em Lisboa e o Regime Nazi foi apresentada há dois anos por António Louçã, o que espoletou a polémica e críticas de Avraham Milgram, um dos mais importantes colaboradores do Museu do Holocausto (Yad Vashem). Na altura, Milgram atribuiu a tese de Louçã ao seu "activismo de esquerda" que procurava destruir "o capitalista judeu". A apresentação, esta semana, do livro "O Segredo da Rua d'O Século" (editado pela Fim de Século), levou de imediato Milgram a deixar cair a defesa de Bensabat Amzalak, admitir que estava errado e que a razão estava do lado de Louçã.
Os motivos para a alteração da posição de Milgram são as "provas" disponibilizadas no livro lançado esta quarta-feira pelos dois investigadores, depois de há dois anos apenas ter sido levantada a polémica. Após pesquisas mais aprofundadas nos arquivos, Louçã e Paccaud conseguiram trazer agora a lume esses "indícios" que sutentam a tese de estreita colaboração de Amzalak com o Regime Nazi.
Segundo a tese apresentada, Moses Bensabat Amzalak foi um amigo e apoiante do ditador António Salazar, acreditando, como o dirigente português, que o Nazismo estava a defender a Europa do Comunismo, o que o levaria a servir-se do seu jornal "O Século" para fornecer uma visão simpática do Regime Nazi.
Em troca desta espécie de colaboração, um embaixador nazi, que Amzalak hospedou em inícios de 1935, terá recomendado aos seus superiores no Terceiro Reich que o líder judeu fosse condecorado pelo Regime, o que veio a acontecer, tornando Amzalak o único dirigente judeu agraciado com as mais altas honras do Regime Nazi.
Dois anos depois, Bensabat Amzalak escreveria ao embaixador com um peculiar pedido: que a condecoração lhe fosse enviada como pin, supostamente de forma a que a pudesse ostentar publicamente.
A história mereceu hoje honras no "Haaretz", um dos mais importantes jornais israelitas, onde é ainda referido que a história não é absolutamente nova, como aliás já o refere o livro de António Louçã e Isabelle Paccaud. Enviado pelo Congresso Mundial Judaico, Isaac Weissman esteve em Portugal, onde realizou uma investigação sobre este assunto. Acabaria por denunciar a colaboração, o que levou ao esmorecimento das relações com a comunidade judaica de Lisboa. Apesar da confirmação das suspeitas, o Congresso Judaico aceitou silenciar a questão.
As queixas do representante do Congresso Judaico quanto à condecoração alemã foram referidas por António Louçã no seu livro "Conspiradores e Traficantes" (2005). A Comunidade Israelita classificou a investigação de "falsa e caluniosa", mas o Congresso Judaico não se pronunciou.